quinta-feira, novembro 13

Dias de uma estagiária #8

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No outro dia falei-vos de uma situação que me incomodou profundamente durante o estágio, mas não tive oportunidade de vos contar o que se passou. Era a última consulta do dia, estava perto da hora do autocarro, mas não iria sair a meio da consulta, não havia necessidade e se fosse eu não encararia a atitude da melhor forma. Estava já tão incomodada com a situação... 
Um senhor de meia idade que vem à consulta e a uma determinada altura o familiar começa a partilhar que há também alguma complicações familiares que não tem facilitado a estabilidade do senhor J. Esse que teve um AVC há menos de um ano e que  neste momento está com uma ordem de despejo da sua própria casa porque assinou um papel que um familiar disse que lhe faria um empréstimo de x dinheiro, ele viveria até à sua morte e depois a casa ficaria para si. O que acontece? Ora isto foi uma burla familiar, completamente explícita, e em que o abusador é o que ganha no tribunal alegando que as dificuldades eram somente físicas. Ninguém que tem um AVC e que atualmente tem défices a vários níveis inclusive de memória, que tem um discurso confuso, que não tem capacidade para gerir as suas finanças, dois meses depois do decorrente AVC estava em condições de assinar tal contratação. 
Eu senti-me mal, senti pena do senhor J. que tinha uma lágrima a querer escorrer, mas que sentia vergonha por estar nesta condição, por se sentir impotente e antes ser um homem autónomo, por a sua condição o ter colocado nesta situação. Uma pessoa sozinha, separado da mulher que agora tem familiares a irar-lhe a vida do avesso, que nem os filhos podem visitá-lo na sua casa, porque há agressões físicas dos outros familiares.. 
Uma  pessoa que lutou para ter o seu recanto, o seu pé de meia, para agora ver-lhe tudo retirado por familiares com dinheiro, que só querem intrigas. Já não chega todas as limitações que vieram depois do AVC, de não se recordar desse momento nem dos dias seguintes que esteve em coma, de ter um dos lados do corpo ainda meio paralisado. 
Ponho-me a pensar no que as pessoas são capazes, no quão podem ser maldosas, no que conseguem sujeitar os outros, mesmo tempo o mesmo sangue. E no que alguns médicos se esgueiram destas situações em vez de lutar pelos seus doentes, quando têm recursos que podem comprovar que o senhor J. não estava em condições neurológicas, psicológicas e até físicas para tomar aquele decisão tão séria e não mexem os cordelinhos, limitando-se a fazer o mínimo dos mínimos. 
Senti-me triste, por toda esta situação, senti vontade de ver o senhor J. rapidamente e esperar que ele traga boas notícias acerca do recurso. Fiquei a pensar neste caso até tarde e relembrou-me de quantos outros por este país devem passar pro situações destas. 

5 comentários:

Vera disse...

Realmente, que situação. As pessoas conseguem ser mesmo más umas para as outras e então quando se trata de dinheiro... Conseguem ultrapassar todos os limites :(

Misaki disse...

conheço casos parecidos... e um na minha família... percebo bem o que queres dizer..

r: era bom era! xb

Adelisa M. disse...

Há situações tão complicadas e muito provavelmente perto que de nós

Catia Ferreira disse...

Há realidades mesmo tristes. Nós achamos sempre que só acontece aos outros mas nós também somos os outros e não estamos a salvos. Cada vez se posso confiar menos nas pessoas.

Anónimo disse...

Podes crer, está tanta gente a ser enganada.. e geralmente por família. Espero que tudo corra bem ao senhor J :/